Monday 5 January 2009

afogada em letras

Laura tecia frases mas isso não bastava. Seus mundos imaginários espalhavam-se pelo quarto, ao lado dos perfumes, cadernos e roupas. Eram tantas imagens, metáforas, parábolas e fábulas pelo chão, empilhadas atrás do armário e embaixo da cama, que ela pensava que um dia encontraria as respostas que procurava assim, escrevendo. Um dia decidiu que para entender as pessoas precisaria conhecê-las por dentro, e lá se foi investigar os mistérios do corpo humano. Mas não se pode conter a rebelião do pensamento, e quando a avalanche de idéias se dirigia em direção à mão e caneta, ela se sentava e costurava mais fios de experiência no papel.
Cada um desses escritos tinha sido importante. Não ousava Laura varrê-los dali, mesmo sabendo que existia um lugar aonde iam parar as frases não ditas, os manuscritos amassados, as palavras rabiscadas, os originais censurados, de ilustres e medíocres escritores, poetas, loucos e amantes. Deixava tudo ali mesmo, onde tinha caído, descartado temporariamente ou para sempre.
Dessa vez era o último texto, estava decidida. A mente febril criava, a mão materializava. Letra após letra, sem cessar, e cada canto vazio do quarto ia sendo tomado por amores, conselhos, reflexões, desabafos. Uma crítica estendeu-se da janela até o teto. Uma poesia se multiplicava, dava a volta na estante, uma rima se enroscava no quadro. Estava mergulhada num mar escrito. Do pescoço para baixo já não conseguia se mover, e escrevia apenas balançando levemente os dedos. Um adjetivo sujo borrava a maquiagem das bochechas. Um trocadilho sutil fazia-lhe cócegas no nariz. Quase não respirava mais. Mas escrevia. Era a última vez, a libertação. Na frente dos olhos ficou um poema romântico, daqueles em que tudo é pálido e sombrio. Fechou os olhos e desistiu de ler. Respirar era cada vez mais difícil. Uma prosa comprida, prolixa, se enrolou em seu pescoço. Estava longe do desfecho, as personagens ainda nem tinham surgido. Prosseguiu. A cada frase, ofegante, se aproximava do fim do enredo. O destino do herói seria feliz, decidiu Laura. O pescoço doía, estava submersa em palavras. O braço já não obedecia. Os pensamentos eram difusos. O fim da prosa se aproximava, e ela se entristecia em deixá-la incompleta. Do fundo da alma, buscou forças. Respirou fundo, concentrou-se e escreveu sua última palavra: fim.

2 comments:

  1. Que legal!!
    Gostei muito! Bastante mesmo!

    E o relógio, nada?
    Tcs tcs...

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  2. Ah! Gostei do novo visual!

    Ano novo, visual novo! hehe

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